Pensar
Portugal.
Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente
se põem a ser gente.
Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de
singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história.
Nós não
temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um
original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do
país.
A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de
canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente
ignora que tenham existido.
Nós não somos um país de vocações comuns, de
consciência comum.
A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes
homens para a ocasião.
Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi.
A
independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia.
Aljubarrota foi Nuno Álvares.
Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o
negócio era bom.
O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos
só Pombal.
O liberalismo foi Mouzinho e a França.
A reacção foi Salazar.
O
comunismo é o Cunhal.
Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles.
Entre os
originais e a colectividade há o vazio.
O segredo da nossa História está em que
o povo não existe. Mas existindo os outros por ele, a História vai-se fazendo
mais ou menos a horas.
Mas quando ele existe pelos outros, é o caos e o
sarrabulho.
Não há por aí um original para servir?
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'
^º^
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